CRÓNICAS

Análise à Feira de Outubro 2024 em Vila Franca

Na reta final da temporada, Vila Franca é o palco das grandes emoções. Uma feira marcada pela despedida de um Maestro do toureio a cavalo, Rui Salvador. Há a registar uma boa entrada de público nos festejos realizados. O resultado artístico foi de enorme êxito. 

Na novilhada, as intuições toreiras demonstradas por Marco Pérez e Tomás Bastos deram o mote para uma importante noite. No final, saíram os novilheiros em ombros deixando grande ambiente. 

A corrida de terça feira foi emotiva. Uma despedida sonhada. Rui Salvador rubricou uma atuação de sonho, sendo no final ovacionado de pé, onde Miguel Moura obteve uma grande lide.

Sábado, 5 de Outubro, Novilhada – Marco Pérez e Tomás Bastos – As estrelas do futuro

A 5 de Outubro de 1989, despedia-se da sua Palha Blanco, o maestro José Júlio. 35 anos depois, Tomás Bastos, sobrinho neto do maestro, regressava a esta arena para enfrentar um compromisso de máxima responsabilidade. O desafio era exigente. 

O cartaz anunciava um “Acontecimento Mundial” e foi isso que se passou na arena. Não havia estrelas no céu. Havia nuvens a adivinhar o tempo chuvoso que caiu na manhã seguinte. Porém, os astros estavam alinhados e interligados para oferecerem uma importante noite. Vieram aficionados da vizinha Espanha, para assistir a este acontecimento.

No início, foi homenageado o bandarilheiro Dário Venâncio, irmão do maestro José Júlio, pelo 50º aniversário da alternativa de bandarilheiro. 

Antes da saída do primeiro, os novilheiros foram, à boa maneira espanhola,   saudados  pelo público, a aplaudir de pé.

Os novilhos de Álvaro Nuñez estavam cómodos de cara e de jogo. Destaque para o 1º, 5º e 6º. Mostrado  lenço azul, com volta para o ganadeiro no 5º e 6º da ordem. O ganadero declinou a hipótese de volta.

Os novilheiros marcaram a diferença no toureio de capote. Ao quite, ambos estiveram num despique. Não dançaram o tango nem flamenco. Exibiram um variado reportório de toureio, cheio de classe e elegância sobrenaturais. Chegaram com muito empaque às bancadas.

Marco Pérez praticou um toureio assentado. Tem intuição toureira. A forma como conduziu a faena nos novilhos do seu lote foi de tom moderado. Sem exageros. As faenas que realizou ao primeiro e quinto novilho da noite teve detalhe de classe e  pureza. O toureio com a mão direita foi um autêntico deleite para qualquer aficionado, trançando muletazos finos e de pura elegância. Foi soberbo, sempre com uma figura erguida.

Tomás Bastos calhou em sorte o pior lote. Mesmo assim, deu mostras do seu conceito. Nas bandarilhas, mostrou-se em bom plano, cravando pares com muito poderio. As duas primeiras faenas foram a mais, com um toureio ligado e de poder por ambos os lados, diante de novilhos tardos de investida. O melhor ficou para o fim. Pena o novilheiro não tenha entendido o que tinha por diante. Se tivesse aberto os terrenos, e o deixasse partir de largo, talvez seria a faena da noite.

O início da faena de muleta foi de alta intensidade, com muletazos de mão baixa por ambos os lados, firmes e de muita arte. Com o decorrer da lide, a faena foi perdendo a fluidez do início, com o novilho a ficar cada vez mais curto e a não querer investir. Mesmo assim, Tomás demonstrou a dimensão do seu toureio.

No final da novilhada, os novilheiros foram sacados a ombros e saíram pela porta grande em ambiente de apótese.

Fica um espetáculo de toiros para recordar. Um dos melhores espetáculos desta temporada. Quando os cartéis são montados com seriedade, o público responde. O toureio a pé em Portugal ganhou um novo fôlego esta temporada.

A Palha Blanco registou uma entrada a rondar os ¾ fracos.

Dirigiu a novilhada, o delegado técnico Fábio Costa, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Faltou alguma sensibilidade na concessão de música.

Terça-feira, 8 de Outubro, Corrida à Portuguesa – A despedida de alto nível de Rui Salvador e a grande atuação de Miguel Moura

Quis o destino que a última corrida da inigualável carreira de Rui Salvador fosse em Vila Franca. Uma praça que diz muito no decurso da sua carreira. Por aqui, alcançou um grande triunfo no longínquo ano de 2001 frente a um toiro na lendária ganadaria Miura. Uma lide que lhe valeu uma distinção como a melhor lide a cavalo dessa temporada em Vila Franca. 

O início da corrida fica marcado por uma singela homenagem ao cavaleiro, com a entrega de lembranças por parte de edilidade, Santa Casa da Misericórdia e empresa. Atuou o rancho típico “Os Avieiros” de Vila Franca e com os fados “Avé Maria” e “Cavalo Alazão” interpretados pela fadista Teresa Tapadas. 

A cronista Catarina Bexiga, num discurso elogioso, relatou o percurso, dos seus 40 anos de alternativa.

Uma corrida concurso de ganadarias de desigual tipo e hechuras. Muitos dos toiros exibidos tinham trapio anovilhado e indigno para uma corrida. De apresentação, destaca-se a preciosidade do Conde de Murça, que abriu praça, do sobrero da ganadaria Veiga Teixeira (que não entrou a concurso) e do Vale Sorraia. Em termos de jogo, o melhor foi o lidado em último lugar, da ganadaria Vale Sorraia, que não sendo bravo, demonstrou ser um toiro voluntarioso de alegres e prontas investidas.

Diogo Oliveira teve uma noite especial. O dia da sua alternativa de cavaleiro. É o dia em que um cavaleiro mais guarda no coração.

 Para Diogo Oliveira foi uma noite sonhada. Juntar três mestres do toureio a cavalo num cartel não é todos os dias.

A sua lide veio a mais. De início, acusou algum nervosismo, com os cavalos a não colaborarem. Na fase de curtos, destaca-se o 2º ferro curto, de muito boa nota. Uma lide marcada por uma atuação desenvolta e marcado pelo simbolismo do seu doutoramento.

Do sexteto, marcaram a diferença Rui Salvador e Miguel Moura. De Rui Salvador, sobram palavras por tudo o fez na temporada de despedida. Houve uma série de atuações que ficam na retina. Diante do pior toiro da corrida, o cavaleiro cravou ferros curtos de muita raça, de querer e ambição. A série de curtos foi de escândalo. A forma como interpretou este toiro é de imensa sabedoria. Não à palavras para descrever uma atuação completa e marcado pela emotividade do momento.

A Miguel Moura foi a atuação mais completa que vi. De saída, mostrou intenções ao receber o toiro em sorte de gaiola. Porém, o ferro cravado resultou traseiro. No curtos, soube aproveitar as prontas investidas do toiro. As sortes resultaram poderosas e com verdade, deixando partir o toiro de largo e cravar com muita decisão. Foi uma atuação em pleno de início ao fim.

Os restantes cavaleiros mostraram desigualdades. João Moura assinou uma atuação fácil, sem complicar, com destaque para o 3º ferro curto. António Telles apontou uma atuação intermitente. Tinha toiro para ter uma atuação de grande nota, porém faltou matéria prima para poder brilhar. Destaca-se o 1º ferro curto. Rui Fernandes andou correto, diante de um toiro andarilho.

Os forcados de Vila Franca tinham tudo para ter uma noite em pleno. Era a noite do grupo da Vila. A de homenagem ao “forcado vilafranquense”. As três primeiras foram concretizadas à 1º TNT, com os forcados a não complicarem e o grupo a demonstrar coesão nas ajudas. Foram caras Miguel Faria, Rodrigo Camilo e o cabo Vasco Pereira.

A 4º pega, foi cara Rodrigo Andrade. Na tentativa inicial, quando parecia que a pega ia ser concretizada à 1ª, eis que o forcado saiu maltratado, recolheu à enfermaria. Foi concretizada à 3ª tentativa, Salvador Ribeiro Correia, com as ajudas carregadas.

 Na 5º pega, foi cara André Câncio à 1º TNT, resultando uma pega fácil. 

Na última pega, foi cara Guilherme Dotti à 5º TNT.

No final, foram entregues os prémios apresentação e bravura à ganadaria Veiga Teixeira. Prémio contestado pelo público. Deveria ter sido entregue o prémio apresentação à ganadaria Conde de Murça e bravura a Vale Sorraia.

A Palha Blanco registou uma lotação ¾ fortes de entrada. Muito próximo de esgotar.

Dirigiu a corrida, o delegado técnico José Soares, assessorado pelo médico veterinário Dr. Jorge Moreira da Silva. Pecou numa decisão inexplicável de deixar o toiro da ganadaria Eng. Jorge de Carvalho ir para dentro. Facto esse, muito contestável por algum público.

Deixo a polémica da feira para o fim. Domingo, 6 de Outubro, Corrida Mista. 

Cerca 2 horas antes de início do festejo, a empresa emitiu um comunicado aos OCS que a corrida ficava cancelada pela “não aceitação por parte dos matadores de toiros” em lidar os toiros aprovados segundo o RET”. Muitos foram os aficionados que vieram logo para as redes sociais criticar a decisão da empresa. 

Julgo que, perante os comunicados conhecidos, a Direção da Corrida poderia interceder no esclarecimento deste assunto.

Lamento esta situação, a empresa Tauroleve e a Palha Blanco tinham uma sintonia perfeita. Um entendimento mútuo. O empresário Ricardo Levezinho sabia o que Vila Franca precisava, quando em 2018 ganhou o concurso de adjudicação da praça. Uma lufada de ar fresco e uma renovação de ideias.

Espero apreensivo pelo desenrolar dos acontecimentos em torno da Palha Blanco. Quem vier, tem de perceber que Vila Franca não é uma praça qualquer. É o único tauródromo onde reina a exigência.

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